Sacerdotes e teólogos acusam o Papa de heresia
Um grupo de sacerdotes e teólogos escreveram uma carta
aberta ao Colégio dos Bispos da Igreja Católica acusando o papa Francisco de
"heresia" — uma das mais graves acusações que podem ser feitas a
um clérigo.
Na carta, publicada na terça-feira (30/4) no site católico
conservador LifeSiteNews, que comumente tece críticas ao papa, os 19
signatários alegam que o conjunto dos bispos católicos deve investigar Francisco pelo
"delito canônico da heresia" e pregam que outros sacerdotes
critiquem Francisco publicamente.
Trata-se de mais um sinal do crescente enfrentamento entre
os tradicionalistas (ou ultraconservadores) católicos — insatisfeitos com
declarações do papa em questões como sexualidade — e os apoiadores do atual
papado.
Os motivos da "heresia", dizem os signatários, é
que o papa teria suavizado posições que, na opinião deles, vão contra os
mandamentos da igreja em diferentes assuntos: os acusadores afirmam que Francisco não
tem se oposto veementemente o bastante ao aborto, tem dado sinais de abertura
do Vaticano a homossexuais e divorciados, e tem se aproximado de
protestantes e muçulmanos.
Em 2015, por exemplo, o papa organizou uma conferência
no Vaticano na qual tentou relaxar as regras que impedem divorciados
e pessoas em um segundo casamento de receber a Comunhão — uma vez que a igreja
considera o casamento indissolúvel e o novo casamento, um adultério.
Eles também citam casos em que o papa teria protegido ou
sido conivente com cardeais e bispos que, segundo a carta, estariam protegendo
abusadores sexuais ou até cometido abusos.
Uma parte significativa da carta se concentra em críticas a
um documento papal do ano seguinte, o Amoris Laetitia (A Alegria do
Amor, em tradução livre), em que Francisco fala em tornar a igreja mais
inclusiva e menos disposta a julgamento de seus 1,3 bilhão de fiéis.
No documento, o papa pede uma igreja menos rígida e mais
cheia de compaixão diante qualquer membro "imperfeito", como os
divorciados e os em segundos casamentos civis.
Debates morais
Após a publicação do Amoris Laetitia, grupos
conservadores acusaram o papa de criar confusão em torno de questões morais
importantes, diz a agência Reuters.
Nas 20 páginas da carta desta terça-feira, os signatários
dizem que tomaram "esta medida (carta aberta) como um último recurso para
responder ao acúmulo de danos causado pelas palavras e atos do papa Francisco ao
longo de diversos anos, dando abertura para uma das maiores crises na história
da Igreja Católica".
O documento também critica o papa por ter dito que as
intenções de Martinho Lutero (pai da Reforma Protestante, momento de
ruptura do cristianismo) "não eram equivocadas" e por Francisco ter
assinado um comunicado conjunto com luteranos no qual mencionava os
"presentes teológicos" da Reforma.
Também foi criticado o comunicado conjunto que o papa
assinou em fevereiro com um líder muçulmano em Abu Dhabi, dizendo que o
pluralismo e a diversidade de religiões era um "desejo de Deus", o
que irritou conservadores católicos.
O signatário mais conhecido entre os 19 que divulgaram a
carta é o padre britânico Aidan Nichols, 70, da ordem dominicana, autor de
diversos livros e teólogo proeminente.
Consultado pela agência Reuters, o Vaticano não
se pronunciou sobre a carta até a publicação desta reportagem.
Quase medieval
A acusação de heresia soa quase medieval e raramente é usada
na Igreja Católica moderna, informa o repórter da BBC John McManus.
Ainda assim, é uma acusação séria, especialmente quando tecida à cúpula da
organização.
Cabe a um departamento específico do Vaticano, a
Congregação para a Doutrina da Fé, a tarefa de "julgar os delitos contra a
fé e os delitos mais graves cometidos tanto contra a moral como na celebração
dos Sacramentos". O grupo é composto por seis cardeais e deriva da Santa
Inquisição, estabelecida em 1542.
O professor de Teologia Massimo Faggioli, da Universidade
Villanova(EUA), diz à Reuters que a carta é o exemplo da extrema
polarização que afeta a igreja atualmente, a despeito da grande popularidade do
papa mundialmente.
Ele avalia, porém, que a carta traz "poucas críticas
legítimas e construtivas do pontificado e de sua teologia" para embasar
uma acusação de heresia até o momento.
Foto: EPA / BBC News Brasil

Nenhum comentário: