COMPLICANDO: MP suspeita que dinheiro entregue em caixa de vinho era para campanha eleitoral na PB, em 2014

A investigação do Ministério Público do Rio de Janeiro
(MPRJ) sobre o desvio de dinheiro público da saúde por organizações sociais
levanta a suspeita de que o dinheiro entregue a Leandro Nunes, ex-assessor da
secretaria de administração do Governo da Paraíba, era para a campanha
eleitoral de 2014, na qual o ex-governador Ricardo Coutinho era candidato.
O grupo
atuava através de duas organizações sociais: a filial gaúcha da Cruz
Vermelha e Instituto de Psicologia Clínica, Educacional e Profissional do Rio
de Janeiro, o IPCEP.
A organização criminosa é acusada de desviar mais de R$ 1,6
bilhão do dinheiro público destinado à saúde na Paraíba e em outros dois
estados.
De acordo com as investigações, no dia 8 de agosto de 2018,
Leandro Nunes, assessor da secretaria de administração do Governo da Paraíba,
já exonerado, recebeu uma caixa de vinho com dinheiro em um hotel na orla do
Rio de Janeiro. O momento foi gravado pelas câmeras de segurança e está na
denúncia do Ministério Público. A caixa foi entregue por Michele Louzzada
Cardoso, que atuava juntamente com Daniel Gomes, líder da organização
criminosa, conforme o Ministério Público. Desde 2016 até agora, o grupo teria
desviado R$ 15 milhões pelo país.
Segundo a denúncia do MPRJ, horas antes de pegar a caixa,
Leandro recebeu uma ligação de um telefone celular registrado na agenda de
Daniel Gomes como sendo de Waldson Souza, atual secretário de planejamento da Paraíba.
A produção da TV Paraíba confirmou que o telefone continua sendo usado por
Waldson Souza. Ele foi responsável pela contratação da Cruz Vermelha, em 2011,
quando era secretário de Saúde da Paraíba.
Os investigadores também relatam que meia hora antes de
chegar ao hotel, Leandro recebeu outra ligação, dessa vez de um celular
pertencente à Secretaria de Administração do Estado da Paraíba. A produção da
TV Cabo Branco ligou para o celular, mas caiu na caixa postal.

O documento do Ministério Público do Rio de Janeiro registra
que Leandro é assessor de Livânia Farias, secretária de Administração do
Estado. Em 2011, um relatório do Tribunal de Contas da Paraíba (TCE-PB)
afirmava que a Cruz Vermelha não preenchia os requisitos da lei estadual para
atuar na gestão do Hospital de Emergência e Trauma de João Pessoa. Mesmo assim,
Livânia foi responsável pela qualificação e confirmação da Cruz Vermelha para
atuar no estado como organização social.
Daniel Gomes, chefe do esquema, foi preso na Operação
Calvário, deflagrada em dezembro de 2018, quando outras 10 pessoas foram
detidas preventivamente, entre eles Roberto Calmom, que estava em um hotel da
orla de João Pessoa. Ele é fornecedor da Cruz Vermelha.
Nos últimos oito anos, a Cruz Vermelha e o IPCEP receberam
dos cofres públicos pouco mais de R$ 1,7 bilhão em todo o país. A Cruz Vermelha
é responsável pelo Hospital de Trauma da capital desde 2011, e recebeu até
setembro de 2018 mais de R$ 930 milhões.
O IPCEP administra o Hospital Geral de Mamanguape e, de
julho de 2014 até setembro de 2018, recebeu do estado mais de R$ 110 milhões.
Em novembro de 2017, a organização social começou a atuar no
Hospital Metropolitano Dom José Maria Pires, em Santa Rita, e, até dezembro de
2018, recebeu pouco mais de R$ 62 milhões, segundo o Ministério Público.

No histórico de mensagens de Michele Cardoso, a assessora
ligada a Daniel, o Ministério Público também identificou o que chamou de
"missões clandestinas vinculadas ao financiamento de campanha
políticas". Em uma troca de mensagem com uma amiga, Michele comenta sobre
a angústia de cumprir uma missão em João Pessoa. Segundo o MP, a missão era
entregar dinheiro para campanha eleitoral. A viagem aconteceu entre os dias 23
e 24 de setembro de 2014, poucos dias antes da eleição.
Michele chegou em João Pessoa em voo particular, mas voltou
em voo comercial. Após o resultado do 1º turno, em mais uma troca de mensagens,
Michele e integrantes da organização relataram a insatisfação da disputa ter
ido para o segundo turno. Em 2014, Cássio Cunha Lima (PSDB) ganhou o primeiro
turno com 47,44% dos votos, contra 46,05% para Ricardo Coutinho (PSB).
A denúncia revela ainda que dias antes do 2º turno, Michele
fez uma entrega de valores no Centro do Rio de Janeiro, o que teria substituído
a vinda dela à Paraíba para fazer um pagamento referente à eleição. Na troca de
mensagens, Michele demonstrava descontentamento por ter que vir à Paraíba e
resolver negócios do grupo.
Já em junho do ano passado, no histórico de ligações do
celular de Michele, o Ministério Público identificou seis contatos feitos com o
celular registrado no nome de Coriolano Coutinho, irmão do ex-governador da
Paraíba Ricardo Coutinho.
Em 2010, o tio do empresário Daniel Gomes, Jaime Gomes da
Silva, contribuiu para o comitê estadual do PSB. Na época, Ricardo Coutinho era
candidato ao Governo da Paraíba pelo partido. A doação legal ocorreu oito meses
antes da Cruz Vermelha ser contratada pelo Governo do Estado para assumir a
gestão do Hospital de Trauma da capital, que aconteceu em julho de 2011.
A contribuição do tio de Daniel foi de R$ 300 mil. Ele é
português e nunca possuiu domicílio eleitoral na Paraíba. Segundo a Secretaria
de Saúde do Estado, houve a primeira renovação do contrato de administração do
Hospital de Trauma com a Cruz Vermelha. Ele durou até 2017, quando a
organização ganhou uma nova licitação.

O que dizem os
envolvidos
Em nota, o Governo do Estado reafirmou a posição em
continuar trabalhando para assegurar a manutenção da qualidade da prestação de
serviços em todas as unidades hospitalares em funcionamento sob contratos com
organizações sociais, protegendo a gestão e a aplicação correta dos recursos
públicos. Também disse estar pronto para cobrar que os contratos sejam seguidos
na sua mais eficiente integridade, sem riscos para o erário público e,
especialmente, para o bem estar da população.
A secretária de administração Livânia Farias disse que a
nota do Governo da Paraíba representa o posicionamento dela e não havia
necessidade de emitir uma nota individual.
O secretário de planejamento Waldson Sousa, na época da
denúncia secretário de Saúde e o responsável por assinar o contrato com a Cruz Vermelha,
também disse que a nota do governo o representa e que se fosse mandar uma
mensagem direta, de forma individual, assim o faria, mas que no momento não há
necessidade.
A TV Cabo Branco tentou entrar em contato com Coriolano
Coutinho, mas não houve resposta sobre os fatos.
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